LÚCIA MACHADO, HOMENAGEADA

Eis a entrevista com a atriz, diretora, produtora teatral e educadora Lúcia Machado, que também é homenageada neste 15º Festival Estudantil de Teatro e Dança, com início no Teatro Apolo a partir da próxima quarta-feira (23 de agosto de 2017). Suas respostas foram longas, mas vale conhecer mais o que pensa esta grande mulher do teatro brasileiro:


COMO E QUANDO VOCÊ COMEÇOU SUA CARREIRA ARTÍSTICA PROFISSIONAL?
O teatro sempre esteve presente na minha vida, seja como leitora, seja como espectadora, e isso pelo estímulo e o convívio com a literatura, em função do meu Curso de Letras. A passagem para o palco, a cena, deu-se por meio de um curso de interpretação aos finais de semana, com os professores Walter Barros, Astrogildo Santos e Ulisses Dornelas. Um curso breve, 6 meses, mas levado muito a sério pelos professores e alunos, com direito a prova pública e tudo, no Santa Isabel. Isso pelos idos de 1979. E qual foi o texto que escolhi? “Cântico Negro”, de José Régio, autor português. “Vem por aqui...” Tudo a ver. O que era apenas um passatempo virou uma brincadeira muito séria desde então. Sem que, com isso, a gente perca o entusiasmo e o frescor da brincadeira e do trabalho amador.

CITE CINCO ESPETÁCULOS QUE MAIS GOSTA NA SUA TRAJETÓRIA E COM QUEM REALIZOU.
Difícil dizer, porque gosto de todos e cada um tem uma importância, um peso na minha aprendizagem, na minha vivência, no meu momento. Mas quero aproveitar a deixa para fazer um passeio pelos meus diretores, a título de homenagem e gratidão, pois com todos eles aprendi muito, no palco e na vida. Com alguns deles, inclusive, fiz mais de um trabalho. Costumo dizer que gosto de ter diretor. Não saberia atuar e me dirigir ao mesmo tempo. Comodismo? Quem sabe... Pois bem. Começando por Ulisses Dornelas, que me dirigiu na prova pública do meu primeiro curso, e que me deu um empurrão da coxia para o palco, quando me viu tremer com medo de entrar (1979). Com Joao Denys Araújo Leite, “Fim de jogo”, de Samuel Beckett (1989). Com Carlos Bartolomeu, “A visita de sua excelência”, de Luiz Francisco Rebello (1983). Milton Baccarelli, “Bodas de sangue”, de García Lorca (1986); Antonio Cadengue, “O balcão”, de Jean Genet (1987), num projeto maravilhoso com os alunos do Curso de Formação do Ator, da UFPE, na década de 1980. Com José Pimentel, “A Aurora da minha vida”, de Naum Alves de Souza (1985); Lúcio Lombardi, “Bella ciao”, de Luiz Alberto de Abreu (1986); Reinaldo de Oliveira, “A capital federal”, de Arthur Azevedo (1983); João Falcão, “Este banheiro é pequeno demais para nós dois”, de Ziraldo (1984). Astrogildo Santos, “Três peraltas na praça”, de José Valuzzi (1981); Didha Pereira (Benedito Jose Pereira), “As meninas e o cedro” (1982), únicas experiências no teatro infantil. Não posso deixar de me reportar a Augusta Ferraz e Júnior Sampaio, num trabalho interessante com um texto de Jean Cocteau, “O belo indiferente”, onde um dirigia o outro (1989). Com Júnior Sampaio, voltei a me aventurar na comédia, na sátira, dessa vez com melhores resultados: “Valentinada” (1993). Também quero registar dois diretores de leituras dramáticas, trabalho que eu reputo importante, que faço com o maior prazer: Marcus Rodrigues, “O vento do mundo”, de Hermilo Borba Filho (2006); e mais recentemente, Cibele Forjaz, em “Os corpos perdidos”, de José Manuel Mora (2016).

VOCÊ ERA RESPONSÁVEL PELO CURSO DE FORMAÇÃO DO ATOR DA FUNDAJ? RELATA UM POUCO DA EXPERIÊNCIA COM A ARTE EDUCAÇÃO.
Não. Quem criou e sempre esteve à frente do Curso foi Geninha da Rosa Borges. Quando ela saiu da Fundação Joaquim Nabuco, eu, que já trabalhava com ela na Fundaj, fiz a coordenação pedagógica, apoio à produção da Prova Pública... Até me aposentar em 1996. Olha, sempre trabalhei com a arte, nas minhas aulas de Língua Portuguesa, de Literatura Portuguesa e Brasileira... Usava-a como um poderoso recurso didático, ao mesmo tempo em que buscava seduzir o aluno, incentivá-lo a ler, escrever e exercitar-se na área. A descobrir as suas potencialidades, deixá-las aflorar... Mas tudo muito intuitivo, desde que comecei a dar aulas, em 1969. Acho que era a minha paixão que me movia e que chegava até ele. O teatro, a poesia, a música, a dança, tudo que o motivasse e seduzisse. Na Escola Estadual Professor Cândido Duarte, onde lecionava, fiz de tudo um pouco, sempre aos finais de semana, até criar com os alunos um Clube de Leitura e uma Troça Carnavalesca Caracol na Folia. O estudo, mesmo, veio com o Curso de Especialização em Artes Cênicas, da UFPE (1986), com professores extraordinários, com quem aprendi muito, e entre os quais, um teve influência e importância decisivas na minha formação na área: Marco Camarotti. Nunca li tanto na minha vida, nunca estudei tanto... E foi muito bom. Pena que a Universidade não tenha prosseguido por muito tempo com o Curso. E daí parti, errando, acertando, mas sempre experimentando, sempre estudando... Cada vez mais convicta de que a arte é essencial à vida.

O QUE SIGNIFICA SER HOMENAGEADA NUM FESTIVAL QUE APOSTA EM NOVOS TALENTOS ÀS ARTES?
Estou feliz, lisonjeada, até. Afinal, há tantos outros nomes merecedores... Mas se é o meu, estou feliz. Sobretudo pelo caráter do Festival: estudantes fazendo teatro. Com isso, a gente sonha; é isso o que a gente quer; é isso o que a gente espera. E que a chama do teatro se perpetue, sempre acesa, dando bons frutos. Também é a minha aposta. Comove-me muito ver um jovem talento, torço por ele... Fico esperando vê-lo outra vez no palco, atuando, dirigindo ou na área técnica...Estudando, progredindo e, com seu trabalho, renovando a cena pernambucana.  E quem disse que “a juventude não é tudo”? É, sim, tudo de bom! Sem melancolia...

QUAL A IMPORTÂNCIA DO FESTIVAL ESTUDANTIL DE TEATRO E DANÇA PARA PERNAMBUCO NESTE MOMENTO TÃO TURBULENTO DO NOSSO BRASIL?
A renovação da cena; “sangue novo”, oxigênio... Esperança, entusiasmo, tão característicos da juventude. Sem medo de errar, ousando. E trabalhando. Com dignidade e ética... Sem medo de ser feliz, porque, como diz o poeta, “a alegria é a prova dos nove”. Lembro-me de que foi numa das edições do Festival, que conheci um jovem talento: Eduardo Machado. Eu vi, eu senti – “esse aí tem gente dentro”! E lá se foi Eduardo, ganhou asas, voou... Hoje, com carreira consolidada como diretor de teatro, professor, pesquisador, Mestre em Artes Cênicas pela UFBA... Bom saber que a semente plantada no Festival Estudantil frutificou; daí, a importância de se manter esse espaço de criação e formação, fortalecê-lo cada vez mais.

Viva você, Lúcia Machado! Queremos vê-la mais nos palcos...


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